Uma revolução na música brasileira

Foram muitas influências sofridas por nossa música popular.
A primeira influência sofrida no início do século XX foi a do tango. Aqui no Brasil os criadores não podiam usar no rótulo do disco (78 RPM) a palavra “samba”. Normalmente vinha escrito nos rótulos e partituras os gêneros “tango” e “tango maxixe”, “polca” e outras denominações.
Aconteceu em 1917 a primeira vez que podemos ler “samba” no rótulo do disco que trazia a música “Pelo Telefone” da autoria de Donga e Mario de Almeida. Foi gravada na Casa Edson pelo intérprete baiano santamarense chamado popularmente pela alcunha de BAIANO.
Com importante colaboração da pianista e compositora Chiquinha Gonzaga, criadora da cobrança dos Direitos Autorais e também da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais). Ainda não existia grandes gravadoras e a divulgação das músicas, na maioria das vezes, acontecia no Teatro de Revista.
Sofremos outras influências como a do “fox-trot”, do “bolero”, da “música caribenha”, “música pop americana”. Isso foi possível verificar até o ano de 1959 quando do lançamento da “BOSSA NOVA”. Ela, a “bossa-nova” com seus compositores poetas e intérpretes abraçaram o samba, os sambistas, compositores e intérpretes valorizando os bambas do início do século XX e ainda carregaram Dick Farney e Lúcio Alves para fazer a ponte do samba canção para a Bossa Nova.
Esta música, o samba canção, teve início em 1929. Seu ápice foi atingido nas décadas seguintes: 30, 40 e 50. O samba canção virou praga e até os nossos dias encontramos de norte a sul do País alguém compondo e cantando sambas canção. Através da voz imponente da nossa Fafá de Belém mostramos ao Brasil o samba canção “FOI ASSIM” da dupla paraense Paulo André e Rui Barata.
Creio que foram as forças superiores quem determinou o local onde este gênero da música brasileira seria desenvolvido. Foi escolhido um bairro populoso da zona sul da cidade do Rio de Janeiro na época Estado da Guanabara: COPACABANA.
Este bairro atraiu compositores, poetas e intérpretes vindos de todos os rincões do nosso grande Brasil.
Esclareço que nas décadas de 30, 40 e 50 não existia televisão, celular, ddd, ddi, fax, internet e todas as novidades tecnológicas de hoje. Para eles chegarem à Copacabana vinham de navio (ita), trem, ou pegar estradas de cascalho sempre em péssimas condições.
Alí em Copacabana, em terreno fértil, ocupando um espaço nunca superior a 2 quilômetros quadrados. Neste pequeno espaço de 4 ou 5 ruas de Copacabana até o final do Leme abrigava mais de 200 boates. Sendo as mais importantes para o samba-canção: Golden Room (1938), Meia Noite (1944), Wonder Bar (1945), Casablanca (1946), Night and Day (1946), Vogue (1947), Monte Carlo (1948), Pigalle (1948), Acapulco (1949), Le Bec Fin (1950), Maxim’s (1950), Le Bistrot (1953), Clube da Chave (1953), Plaza Boate (casa de Johny Alf – 1953), Baccará (1954), Sacha’s (casa do Dick Farney – 1954). Arpége do Waldir Calmon e seus discos “Feito para dançar” que chegou ao número 54. Jirau no Beco das Garrafas onde a dupla Mieli e Bôscoli montaram o show com Taiguara e Claudete Soares intitulado “Primeiro tempo 1×0”. Au Bon Gourmet (1956), Fred’s (1957), Black-Horse (1959) e o Zum-Zum, fundada pelo compositor Paulo Soledade, pai de Paulinho Soledade (também compositor) e alí no início da Rua Barata Ribeiro foi apresentado o maior show de boate da Bossa Nova com Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes e Quarteto em Cy. Direção musical do Oscar Castro Neves.
Todas essas casas tinham entre 100 e 300 lugares e nesses pequenos espaços ofereciam abrigo e sustento para uns 200 músicos, 60 intérpretes e uma infindável fila de compositores.

OS INTÉRPRETES, AUTORES E SEUS SUCESSOS

Existiam poucas e insipientes gravadoras neste período. Sendo assim cada cantor ou cantora gravavam 4 ou 5 discos de 78 rpm. Ou seja de 8 a 10 músicas. Desse lote sempre surgiam grandes sucessos retumbantes. E esses sucessos ecoam até hoje.
Volte o seu tempo e não venha me dizer que não sabe cantar Linda Flor de 1929 na voz da Aracy Cortes (Aí yoyô eu nasci pra sofrer….). Quem não entoa a melodia de “Rancho Fundo” (No rancho-fundo, bem prá lá do fim do mundo, onde a dor e a saudade….). Cantem “Nada Além” do mineiro Custódio Mesquita. Também “Ave Maria do Morro” imitando a Dalva de Oliveira gravada em 1942. Em 1944 chega chegando o Mario Lago em parceria com o homem de Miraí (MG), Ataulfo Alves e nos oferta dois grandes sucessos (até hoje) “Aí que saudades de Amélia” e “Atire a primeira pedra”.
Sou nascido no ano de 1943 do século passado (75 anos) e recebi de presente o grande samba “Pra machucar meu coração” do insuperável Ary Barroso. Este mesmo Ari que 5 anos antes cantou para todo o Brasil que tinha encontrado uma morena frajola na Baixa dos Sapateiros em Salvador. Cidade que ele ainda não tinha visitado. Para a dita morena ele pediu abraços e beijos e recebeu gentilmente os seus sorrisos.
Nos anos 70 eu coloquei no mesmo disco da Fafá de Belém dois sambas-canção. Um dos anos 40 (1946) “Fracasso” (Mário Lago) e outro dos anos 70 “Foi Assim” de Paulo André e Rui Barata. Um carioca e dois paraenses. De 1947 a Bahia chegou com o inesquecível Dorival Caymmi trazendo a tira-colo a sua “Marina”. Da outra ponta sul do Brasil, do Rio Grande do Sul, chegou o sensacional Lupicínio Rodrigues com suas músicas e poesias carregadas de muito drama. São muitas músicas do Lupi. Citarei duas que ainda são atuais: “Nervos de Aço” e “Esses Moços”.
Faltava um interiorano. São Paulo então nos presenteou com um cara de nome esquisito Chauki Maddi que de imediato os cariocas o apelidaram sòmente de Tito Madi. Começou arrasador com sua música “Chove lá fora” que foi traduzida para o inglês como “It’s raining outside” e foi gravada por lá pelo famosa Della Reese. Sucesso internacional.
São Paulo também nos ofertou a Maysa que chegou com sua “Ouça”. Foi a vez do cantor Nelson Gonçalves gravar dois sucessos estrondosos: “Boemia” de Adelino Moreira e “Laura” do mineiro Alcyr Pires Vermelho.

COMPOSITORES
Foi construído em Copacabana a ONU do mundo musical no Brasil. Convoquemos os Embaixadores! Para a instalação veio da Bahia, De Chocolat (1887-1956), Marques Porto (1870-1910), Assis Valente (1911-1958) e Dorival Caymmi (1914).
Das Minas Gerais, vieram Ataulfo Alves (Miraí, 1909-1969), Alcir Pires Vermelho (Muriaé, 1906-1994), Ary Barroso (Ubá, 1903-1964), Geraldo Pereira (Juiz de Fora, 1918-1955), Hervé Cordovil (Viçosa, 1914-1979) e Joubert de Carvalho (Uberaba, 1900-1977).
Pernambuco, sempre generoso, nos presenteou com Olegário Mariano (Recife, 1898-1958), Capiba (Surubim, 1904-1997), Fernando Lobo (Recife, 1915-1996) e Antônio Maria (Recife, 1921-1964).
São Paulo, por estar mais próximo, enviou um batalhão. Citarei os que considero mais importantes: Adoniram Barbosa (SP, 1910-1982), David Nasser (Jaú, 1917-1980), José Maria de Abreu (Jacareí 1911-1966), Tito Madi (Piraju 1930-1959).
Do Rio, cidade-sede da ONU musical, se fizeram presentes: André Filho (Rio de Janeiro gosto de você…..), Bide, Custódio Mesquita, Cândido das Neves (Índio), Cartola, Dolores Duran, Francisco Alves, Herivelto Martins, Heitor dos Prazeres, Jota Cascata, Nássara, Nelson Sargento, Sinhô , Donga, Pixinguinha, Wilson Batista, Silas de Oliveira, Lamartine Babo, Luís Bonfá.

DE ONDE EU VIM (Minhas Origens)

Se hoje, na minha idade avançada, ainda sinto o tesão de escrever, de pesquisar e de palpitar sobre a música ou qualquer outro assunto é devido à formação que recebi na minha infância, lá no meu torrão natal, na minha inesquecível Irará.
Situada ao norte do recôncavo e início da caatinga. Foi lá, na Festa de Nossa Senhora da Purificação, entre o sagrado e o profano, dia 2 de fevereiro, que aprendi a ouvir com total atenção os dobrados, marchas e polcas executadas pela minha Sociedade Lítero Musical 25 de Dezembro ou simplesmente a nossa Filarmônica de Irará. Relembro nitidamente de Alfredo da Luz no bumbo, na última fila, e o Maestro Zequinha de Ponciano tocando tudo antes de sair trocando as pernas de tanta cachaça. Nesse dia era permitido. Sempre bom ouvir os dobrados e as músicas do Prof. Almiro Oliveira, especialmente o hino “Irará, tu vives em meu coração” nas vozes harmoniosas de Edy e Marly, suas filhas.
Também teve uma certa importância o Pavilhão Rádio Teatro Yancovich e sua bailarina que caiu do céu por descuido na terra do samba. Foi uma paixão juvenil de alguns beijos.
Outra fonte de informação e de formação foi o Serviço de Alto-falante A Voz da Liberdade. Foi meu primeiro contato com Dorival Caymmi, ele cantando “Dora”.
Outras obras me chegaram: Catulo da Paixão Cearense. Cantando junto com meus irmãos a canção “Luar do Sertão” levei o corpo do meu Pai para sua última morada do corpo físico. Cascatinha e Inhana nos fez chorar com sua música “Índia” que era executada no momento de despedida do meu irmão Petrônio, que estava indo morar em Vitória no Espírito Santo. “Índia” ficou proibida de ser tocada na A Voz da Liberdade e em nossa casa.
Lana Bittencourt, Dolores Duran, Nelson Gonçalves, Trio Surdina, Francisco Alves, Carlos Galhardo, Nora Ney, Jorge Goulart, Dalva de Oliveira e tantos outros. Não poderia deixar de citar o maior de todos, um Deus: Luiz Gonzaga.

GANHEI O MUNDO – PÉ NA ESTRADA

Na marinete de Renato Portela, numa estrada cheia de buracos e de atoleiros, mudei-me para Salvador. A família mantinha uma casa nos Barris, na rua General Labatut. Lá viviam uns 25 a 30 Santanas. Tios, primos, irmãos e uma companheira de trabalho chamada Olivia. Remédio para todas as doenças. A casa era comandada pelas tias Vanda e Luiza. Hoje elas já estão com mais de 90 anos. Em frente à casa, na esquina da descida da Mesquita dos Barris, localizava-se o imprescindível Armazém Alfaia comandado pelos Linos (pai e filho), espanhóis da cidade Pontevedra na Galícia.
Tom Zé, meu primo, formou o Conjunto Chega Nêgo para tocarmos no Alfaia e encher o bucho de cerveja. Tínhamos uma caderneta do fiado. Fui à Espanha e um amigo de Barcelona, publicitário, a pedido, levou-me até Pontevedra. Perto do Porto de Vigo. Quando retornei ao Brasil e depois à Salvador fui até o Alfaia para falar com os Linos que tinha conhecido sua terra natal. Só encontrei o Lino filho. O velho tinha morrido fazia pouco tempo. Quando falei que estive nas praças e ruas de Pontevedra, e ainda mostrei umas duas fotos, o Lino me abraçou fortemente, chorou bastante e ainda levou-me para comer uma paella feita pela sua mãe já com uns 85 anos.
No processo a música me pegou e fui para o CPC trabalhar com o Tom Zé. Daí tirei a ideia de montar um grupo para estudar a Bossa Nova. No grupo, além de mim e do primo Tom Zé, convidei o cineasta/jornalista Orlando Senna, o artista plástico Emanoel Araújo, a atriz Maria Muniz, o poeta Carlos Falk e os futuros artistas: Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Tom Zé, Fernando Lona, Alcyvando Luz, Perna Fróes e Djalma Correa. Por esse período ainda conheci o Maestro Vivaldo Conceição, Lindemberg Cardoso, Batatinha, Tião Motorista, a dupla Panela e Garrafão, Jairo Simões, Walmir Lima, Ederaldo Gentil e Edil Pacheco.

PEGUEI UM ITA

Desde criança tinha uma vontade indomável de conhecer a Amazônia e todos os seus mistérios: rios, floresta, índios e caboclos. O Teatro da Paz. Lambuzei-me com sua rica culinária, mussuan, pato-no-tucupi, panelada de tambaqui, unhas de caranguejo ao vinagrete. Comia desbragadamente. Para digerir ia dançar o carimbó e o siriá. Nas folgas das comidas pude ouvir as músicas de Paulo André, Rui Barata, Sebastião Tapajós, Nego Nelson, Nilson Chaves e outros. Neste embalo foi que conheci, acidentalmente, a musa dos rios, das baías e da floresta FAFÁ DE BELÉM, hoje disponibilizada com seu talento, sua voz afinadíssima e sua envolvente risada para todos os brasileiros.

NAS ONDAS DA POROROCA

Deslizando na pororoca cheguei a São Luís do Maranhão. Fui convocado pela nossa querida Marrom, a hoje famosa Alcione. De pronto, apresentou-me ao Maestro de Banda, seu pai João Carlos. No primeiro disco de Alcione, gravei uma música do Maestro chamada “Cajueiro Velho”.
Para alimentar-me fui conhecer o peixe ao leite de coco e o arroz de cuchá. Adorei.
Assustei-me com a maré que chegava aos 12 metros em São Luís. As irmãs da Marrom me levaram para assistir o Tambor de Crioulo e depois o Tambor de Mina. Fiquei em casa. Tudo muito parecido com o candomblé da Bahia.

DO OIAPOQUE AO CHUÍ

Dei um salto grande e fui parar em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Chamados frenéticos dos amigos e irmãos Angela Moreira, Geraldo Flach, Jesus Iglésias, Sepeh Tiarajú de los Santos. Eles queriam que eu gravasse o poeta conterrâneo deles Mário Quintana. Eu vinha de ter gravado os poetas Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Antologias Poéticas. Depois, fui levado pelas mãos de um professor de curso pré-vestibular muito carismático para conhecer um Grupo Gaúcho. Lá fui eu ouvir a gauchada. Era o conjunto Os Almôndegas. Dissolveram-se e viraram Kleiton e Kledir. Até hoje fazendo sucesso mundo afora. Preparem-se que está vindo uma nova onda de Ramis direto do seu laboratório em Pelotas.
O professor carismático virou deputado federal e até governador do Rio Grande do Sul. Ainda foi senador da república. Falo do amigo José Fogaça. Dele gravei uma música intitulada Vento Negro com a Fafá de Belém.

NO PASSO DO FREVO (seja canção, de bloco ou de rua)

“Ai, ai, ai saudades / saudade tão grande / saudade que tenho do Bloco das Palhas, Vassouras / Passistas traçando tesouras, nas ruas desertas de lá”.
Fui levado para esta linda cidade pelos braços do Quinteto Violado: Toinho Alves (baixo), Marcelo Melo (violão), Fernando Filizola (viola de 12), Sando (flauta) e Luciano Pimentel (bateria). Sando era um menino de 13 anos de uma família de músicos sinfônicos. Luciano era o baterista muito requisitado para tocar caixa nas Orquestras de Frevo. Fernando Filizola, além da viola, era o melhor ator do grupo e ainda passeava pelas artes plásticas. Marcelo Melo era formado em agronomia e pós pela Universidade Belga de Louvin. Parceiro de Geraldo Vandré nas suas andanças europeias. Toinho Alves era químico, além de exercer as funções de arranjador e maestro dentro do Quinteto.
Assim que lá cheguei fui entregue pelo Quinteto ao casal Zélia Barbosa e Pedro de Souza, recém casados. Zélia era funcionária da Chesf e uma grande cantora com representação até na Europa. Pedro de Souza era do cerimonial do Palácio do Governo. Vi nascer os filhos Pedro Francisco e Catarina. Em Recife tive dois alunos que hoje muito me honram: Wellington Lima e Ângelo Filizola. Produtores culturais renomados no Nordeste.
Eu, o Quinteto e Pedro de Souza nos reunimos numa empresa (Sacy Produções) que ficou responsável pela condução do próprio Quinteto. Todos tinham o mesmo peso dentro da organização. Fiz algumas propostas fora do habitual e eles aceitaram. Sou bastante cabotino para afirmar que fomos revolucionários no desenvolvimento de uma nova forma de produção. Fomos donos do nosso próprio transporte (ônibus financiado pelo Banorte), pelo nosso Som, por tudo que chegasse ao Quinteto. E foi ali, ainda no passo do frevo executado pela Orquestra do Maestro José Menezes que saí trocando os passos ladeira acima e ladeira abaixo guardando e enriquecendo-me de tudo que vi e vivi.

“PEGUEI UM ITA NO NORTE E FUI PRO RIO MORAR…”

Definitivamente cheguei ao Rio de Janeiro em 1970. Fui trabalhar e aprender com excelentes mestres. Posso sem dúvida citá-los: André Midani, Armando Pittigliani, João Carlos Muller, Roberto Menescal, Umberto Giácomo Contardi, Luigi Hoffer e Ari Carvalhaes. Umberto e Ari já se despediram de nós e foram para o plano espiritual. Inesquecíveis. E por falar em inesquecível, tenho que citar o Mestre José Loureiro que também mudou de plano. Também resolveu cantar pra subir o Mestre Heleno Oliveira e o Sérgio Carvalho. Os demais estão vivos e firmes com total atenção ao desenrolar da nossa música. E o André Midani, nosso comandante ontem, hoje e sempre. Para todos, os meus profundos agradecimentos e reconhecimento por toda a vida.
A atitude do técnico de gravação Ari Carvalhaes, relegando um morro inteiro na zona da Tijuca (Morro do Turano), do qual ele era o único herdeiro vivo. Nome completo do Ari: Ari Turano Carvalhaes. Ele negou-se a assinar o documento ou documentos ao saber que os favelados que lá moravam por muito tempo seriam expulsos sem nenhum direito. E assim o nosso saudoso Ari continuou gravando nossas produções. Sou eternamente grato ao Mestre Ari. Foi ele quem deu-me, naquele momento, as réguas e os compassos para dar continuidade ao meu existir. Grato.
Sempre fui preocupado com o passado e com o futuro da música popular. Aqui e agora rendo as minhas homenagens a todos que dedicaram seu tempo e espaço para guardar e tornar viva os nossos artistas da música. Escolho uma pessoa para representar a todos – Ricardo Cravo Albim. Saí buscando novos valores por todos os grotões do Brasil. Alegro-me em ter possibilitado o reconhecimento de Elomar, Quinteto Violado, Alcione, Almôndegas, Kleiton e Kledir, Fafá de Belém, Luiz Caldas.
Lembro a todos que vim da escola do “Nós, Por Exemplo” lá na Bahia. Fui o responsável por reunir futuros artistas como Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa (Maria da Graça), Gilberto Gil, Tom Zé, Fernando Lona, Djalma Correa, Perna Fróes, Alcyvando Luz. Um determinado dia fui convocado pelo Mestre André (não confundir com o Mestre André da Mocidade Independente de Padre Miguel) para produzir o último disco do Gilberto Gil que estava de mudança para a WEA.
Neste período eu estava internado nos arquivos da Polygram. Vi escrito numa caixa de fita de 1/4 – SAMBA DE BREQUE. O responsável pelo arquivo, o baixinho William Tardelli, pegou a caixa e a examinou como se fosse um médico pesquisando para dar o diagnóstico. Tinha 18 anos que esta dita fita foi manuseada. Por isso corria riscos. Foi quando ele dirigiu-se a mim e disse que voltasse no outro dia, na mesma hora. Foi o que fiz e aí deparei-me com um cantor chamado Germano Matias, paulista e que ninguém sabia se vivo ou morto. Ouvi por umas 10 vezes o disco do Germano, com todo cuidado para não esgarçar a fita e jogar tudo no lixo.
Mandei copiar um K-7 e levei para o Gilberto Gil e fiz-lhe a proposta dele dividir um disco cantando sambas-de-breque. Dessa maneira, ele pagaria a dívida de 6 faixas para a Polygram e ficaria tudo certo. Assim foi feito e lançado dois meses depois como “Antologia do Samba de Breque”. Dessa forma e maneira o Gil pagou sua dívida e o Germano, como uma fênix, saiu do ostracismo e ainda está vivo cantando por toda São Paulo.

HONRA

Posso dizer que tenho muita honra na minha biografia. Tive a felicidade de conviver e até gravar com alguns desses ilustres personagens do Samba Canção. Gravei uns 3 ou 4 discos com o Altamiro Carrilho, tornei-me compadre do Dorival Caymmi: batizou meu primogênito Gilberto. Ouvi longas histórias do Pedro Caetano e do Alcyr Pires Vermelho nas mesas de um bar embaixo do prédio da Odeon e da Intersong na Av. Rio Branco. Ouvi e vi Dick Farney tocando no Sacha’s. Assisti várias vezes o show “Primeiro tempo 1×0” com o Taiguara e Claudete Soares na Boate Jirau.
Na casa de Caymmi conheci muitas personalidades como Fernando Lobo (Chuvas de Verão). Com meu amigo guitarrista Chiquito Braga (atleticano doente) conheci e muito conversei com o Tito Madi. Por causa da música “Fracasso”, peguei Mário Lago e levei-o ao estúdio pra ouvir a gravação da Fafá de Belém. Ele adorou. Pude beber um gole com a Maysa num bar em frente à Boate Cangaceiro em Copacabana. Foi nessa boate, na Francisco Mendes, que a Bethânia gravou seu primeiro disco de sucesso. Fiz uma boa amizade com a Margareth Gonçalves e por ela aproximei-me do seu pai, o inigualável Nelson Gonçalves e seus sucessos. Tomei café no Morro da Mangueira na casa do Cartola e Dona Zica, levado pelo radialista Adelson Alves.
Pois é, amigos, vivi um pouco com estas personalidades importantes da época do samba-canção. Por isso valorizo até hoje estes anos de ouro. Confesso que ouvi mais do que falei.

E SABER OUVIR É MUITO IMPORTANTE!!!

Roberto Sant’Ana é  produtor artístico, foi coordenador geral de produção, passou pelo sêlo Philips e pela  PolyGram musical;  folclorista brasileiro, responsável pelo lançamento de diversos artistas como Elomar e Fafá de Belém e por ações como ter apresentado Gilberto Gil a Caetano Veloso,e ser um dos criadores do Tropicalismo.

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